O período regencial começa em 1831, com a abdicação de dom Pedro I,
e estende-se até 1840, quando dom Pedro II é aceito como maior de
idade. É uma das fases mais conturbadas da história brasileira e de
grande violência social. A menoridade do príncipe herdeiro acirra as
disputas pelo poder entre as diferentes facções das elites. Pela
primeira vez no país, os chefes de governo são eleitos por seus pares.
Os brasileiros pobres continuam alijados da vida política da nação. As
revoltas regionais, os motins militares e os levantes populares são
violentamente reprimidos.
A composição das forças políticas
Na esfera política das Regências digladiaram-se as forças dispostas na
estrutura da sociedade imperial, basicamente a mesma da época colonial.
Ao iniciar-se o período, eram três as facções políticas
entrechocando-se na luta pelo poder: os restauradores, os liberais moderados e osliberais exaltados.
Os restauradores, também denominados caramurus,
representavam uma parcela da classe dominante que havia apoiado o
Imperador, quando este tendeu ao absolutismo. Mesmo depois da
abdicação, passaram a lutar pela sua volta ao trono brasileiro, agitando
os primeiros anos da Menoridade. Para eles, a monarquia não significava
apenas a preservação da antiga estrutura de dominação, nem dos
privilégios. Estavam convictos, também, de que só o regime monárquico
autoritário permitiria a continuidade da tranqüilidade e disputada
preponderância. Dentre eles, muitos eram restauradores por interesse pessoal,
como é o caso de José Bonifácio, agora tutor de D. Pedro de Alcântara. O
seu reduto era o Senado e a associação política que os representava era
o Clube Militar.
Com a morte de D. Pedro I, em 1834, os caramurus passaram a compor, com
os direitos liberais ou moderados, o “regresso conservador”. Tornaram-se
parte dos maioristas em 1840 e da facção áulica do início do segundo
Reinado.
Os liberais moderados, entendidos como a direita liberal, correspondiam
à outra parcela da aristocracia rural. Eram monarquistas,
evidentemente, pois viam nela a proteção dos seus privilégios. Porém,
desejavam-na constitucional, uma vez que a Constituição de 1824
assegurava a sua continuidade na posição de mando. Defendiam a
manutenção da ordem em primeiro lugar e não pretendiam nenhuma reforma
econômica ou social. Como opositores das reformas políticas, batiam-se
pela centralização político-administrativa. O liberalismo que rotulava
essa facção era apenas de fachada, adequado às suas necessidades de
classe dominante. Preponderou durante os primeiros anos das Regências,
dividindo-se a partir de 1835. Eram denominados chimangos e uniam-se sob
a égide da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional,
fundada por Evaristo da Veiga. Empenharam-se no combate aos
restauradores e exaltados federalistas, na defesa da ordem e da
centralização, fornecendo subsídios para a orientação governista.
Os liberais
exaltados, fazendo as vezes da esquerda liberal, eram representados não
só por algumas parcelas da aristocracia rural, como também por outros
segmento sociais. Apresentavam-se divididos em camadas sobrepostas,
constituindo-se inicialmente por uma camada de homens livres,
destituídos de propriedades, ou pequenos proprietários. Variando de
região para região, desenvolviam atividades nos centros urbanos ou nos
campos, oscilando numa relação de dependência, entre a classe
dominante e a classe que fornecia o trabalho.
Seguia-se o aglomerado urbano e rural marginalizado de recursos:
agregados, lavradores e citadinos, dedicados a pequenos expedientes e
biscates.
Enquanto os moderados batiam-se pela preservação da ordem e
instituições, opondo-se a qualquer alteração no status quo, os exaltados
eram os reformistas. Defendiam o direito de manifestação, reformas
políticas, desde o estabelecimento de uma monarquia descentralizada até
a.proclamação de uma República, a reforma na Constituição de 1824,
ampliando principalmente a autonomia provincial, batendo-se pelo
federalismo. Sem muita clareza, exigiam reformas na estrutura econômica e
social. Apelavam para a violência, arrastando as forças de composição
variada, sob a bandeira do federalismo. Eram também chamados de
jurujubas ou farroupilhas, e se organizavam em tomo da Sociedade
Federal e de clubes federalistas espalhados pelas províncias.
O avanço liberal
As tendências e evolução destes grupamentos políticos e da própria vida
política do período regencial devem ser entendidas em dois momentos que
o caracterizam: o avanço liberal e o regresso conservador.
O primeiro momento decorreu entre 1831 e 1834, quando as forças liberais
uniram-se para combater os restauradores. Juntos, também estabeleceram
reformas institucionais, entendidas tradicionalmente como liberais ou
descentralizadoras, com o objetivo de acalmar as tensões regionais
latentes. Na realidade, as reformas propaladas não passaram de
concessões dos moderados, então preponderantes, no sentido de deter a
vaga revolucionária, esvaziando-a. É evidente que a união entre
moderados e exaltados era precária e circunstancial, não se apoiando em
bases sólidas. Daí, sua efemeridade.
É neste primeiro momento que se desenrolam as duas primeiras regências trinas, assinaladas pelo precário equilíbrio político.
Regência Trina Provisória
Instalada no mesmo dia da abdicação de dom Pedro I, em 7 de abril de
1831, a regência trina é uma exigência da Constituição para o caso de
não haver parentes próximos do soberano com mais de 35 anos e em
condições de assumir o poder. Ela é provisória porque não há quórum
suficiente no dia da abdicação para a eleição de uma regência
permanente. A primeira tarefa do novo governo é atenuar os impasses que
levaram à abdicação de dom Pedro I, quase todos resultantes dos excessos
de um poder extremamente centralizado. O último ministério deposto por
dom Pedro I, de maioria liberal, é reintegrado e os presos políticos são
anistiados. O poder dos regentes é limitado. Não podem, por exemplo,
dissolver a Câmara, que, na prática, torna-se o centro do poder do país.
Composição política da regência –
A composição do primeiro trio de governantes é fruto de uma negociação
entre os restauradores e liberais moderados. É composto pelos senadores
José Joaquim Carneiro Campos, marquês de Caravelas, representante dos
restauradores; Nicolau de Campos Vergueiro, representante dos liberais
moderados; e, no papel de mediador, o brigadeiro Francisco de Lima e
Silva, representante da oficialidade mais conservadora do Exército. Os
liberais radicais não participam do governo, mas obtêm vitórias
importantes no Legislativo.
Regência Trina Permanente
A
regência trina permanente é eleita pela Assembléia Geral em 17 de junho
de 1831. Sua composição inclui as facções políticas que se expressam na
capital e também os interessesregionais
da elite agrária. É integrada pelos deputados moderados José da Costa
Carvalho, marquês de Montalvão, representante do sul, e João Bráulio
Muniz, representante do norte, além do brigadeiro Francisco de Lima e
Silva, que já integrara a regência trina provisória. O padre Diogo
Antônio Feijó é nomeado ministro da Justiça.
Guarda Nacional –
A formação da Guarda Nacional é proposta pelo padre Diogo Antônio Feijó
e aprovada pela Câmara em 18 de agosto de 1831. Sua criação desorganiza
o Exército. Com a Guarda Nacional, começa a se constituir no país uma
força armada vinculada diretamente à aristocracia rural, com organização
descentralizada, composta por membros da elite agrária e seus
agregados. Os oficiais de alta patente são eleitos nas regiões e, para
muitos historiadores, é um dos componentes fundamentais do coronelismo
político – instituição não-oficial determinante na política brasileira e
que chega ao apogeu durante a República Velha.
Reformas liberais –
As bases jurídicas e institucionais do país são alteradas por várias
reformas constitucionais que, em sua maioria, favorecem a
descentralização do poder e o fortalecimento das Províncias. Em 29 de
novembro de 1832 é aprovado o Código do Processo Criminal, que altera a
organização do Poder Judiciário. Os juízes de paz, eleitos diretamente
sob o controle dos senhores locais, passam a acumular amplos poderes nas
localidades sob sua jurisdição.
Ato Adicional de 1834 –
A tendência à descentralização do poder é reforçada pelo Ato Adicional
assinado pela regência trina permanente em 12 de agosto de 1834.
Considerado uma vitória dos liberais no plano institucional, o Ato
extingue o Conselho de Estado, transfere para as Províncias os poderes
policial e militar, até então exclusivos do poder central, e
permite-lhes eleger suas assembléias legislativas. O poder Executivo
provincial continua indicado pelo governo central e o caráter vitalício
do Senado também é mantido. A regência trina é substituida pela regência
una, eletiva e temporária, com um mandato de quatro anos para o
regente.
Primeira Regência Una
O
processo de escolha do primeiro regente único do país começa em junho
de 1835. Os principais concorrentes são o padre Diogo Antônio Feijó, de
tendência liberal, e o deputado pernambucano conservador Antônio
Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti. Feijó defende o fortalecimento
do poder Executivo e vence o pleito por uma pequena margem de votos.
Governo Feijó –
Empossado dia 12 de outubro de 1835 para um mandato de quatro anos,
padre Feijó não completa dois anos no cargo. Seu governo é marcado por
intensa oposição parlamentar e rebeliões provinciais, como a Cabanagem,
no Pará, e o início da Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul. Com
poucos recursos para governar e isolado politicamente, renuncia em 19 de
setembro de 1837.
Diogo
Antônio Feijó (1784-1843) nasce em São Paulo numa família de "barões do
café". Ordena-se sacerdote católico em 25 de outubro de 1805. Em 1821 é
eleito deputado às Cortes Constitucionais, em Lisboa. Defensor de
idéias separatistas, é perseguido pela Coroa portuguesa, refugiando-se
na Inglaterra. Volta ao Brasil após a independência. Deputado nas
legislaturas de 1826 a 1829 e de 1830 a 1833, combina idéias de um
liberal radical com propostas e práticas políticas conservadoras. Luta
contra o absolutismo, a escravidão e o celibato clerical. Chama os
liberais de "clube de assassinos e anarquistas" e também afasta-se dos
restauradores. Ocupa o Ministério da Justiça entre 5 de julho de 1831 e 3
de agosto de 1832. Em 1833 é eleito senador e, em 1835, regente único
do reino. Autoritário na condução do Estado e sem bases de apoio
próprias, é obrigado a renunciar em 1837. Participa da Revolução Liberal
em 1842. Derrotado, foge para Vitória. Volta ao Rio de Janeiro em 1843
e, nesse mesmo ano, morre em São Paulo.
Segunda regência Una
Com a renúncia de Feijó e o desgaste dos liberais, os conservadores
obtêm maioria na Câmara dos Deputados e elegem Pedro de Araújo Lima como
novo regente único do Império, em 19 de setembro de 1837.
Governo Araújo Lima –
A segunda regência una é marcada por uma reação conservadora. Várias
conquistas liberais são abolidas. A Lei de Interpretação do Ato
Adicional, aprovada em 12 de maio de 1840, restringe o poder provincial e
fortalece o poder central do Império. Acuados, os liberais aproximam-se
dos partidários de dom Pedro. Juntos, articulam o chamado golpe da
maioridade, em 23 de julho de 1840.
Golpe da Maioridade
A política centralista dos conservadores durante o governo de Araújo
Lima estimula revoltas e rebeliões por todo o país. As dissidências
entre liberais e conservadores fazem crescer a instabilidade política.
Sentindo-se ameaçadas, as elites agrárias apostam na restauração da
monarquia e na efetiva centralização do poder. Pela Constituição, no
entanto, o imperador é considerado menor de idade até completar 18 anos.
Clube da maioridade –
Os liberais lançam a campanha pró-maioridade de dom Pedro no Senado e
articulam a popularização do movimento no Clube da Maioridade, presidido
por Antônio Carlos de Andrade. A campanha vai às ruas e obtém o
respaldo da opinião pública. A Constituição é atropelada e Dom Pedro é
declarado maior em 1840, com apenas 14 anos.